domingo, 30 de maio de 2010

O temor às musas


Aprendi a dedilhar sonhos com dedos de tocar flauta. Me apossei de vozes femininas, que dizem tudo sobre a existência do ser e seus mimosos rancores. Não ofereço o meu dobrado fardo a ninguém. Mas convido a ouvir comigo o som das divinas damas que tocam flauta.

Seria com a maestria de Marias José que poderíamos encantar a dor pela qual passamos nós, as de sexo em flor, as que sangramos o amor pelos homens de nossa vida. Descobri há muito pouco tempo que as musas (minhas parceiras) costuram, usam dedais e enxergam no escuro. Podem apalpar a alma alheia e são terrivelmente poderosas. Tornei-me escrava de seus poderes. Ficando eu, sem querer, terrível também.

Não iluda-se comigo, pois posso sentir o que falta em suas entranhas. E sofro com a tua carência feminina. Sinto até o cheiro que deixa em ti o sexo mal feito. Aprendi com as divinas musas, minhas carrascas e amigas, o que se pode transformar no mundo. E se pode tudo, desde que haja uma boa dose de devoção às divindades. Desde que se saiba receber os sonhos para ampliá-los no inconsciente.


Sílvia Goulart

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Renasce em cova funda e úmida


Belisca a delicada
Beleza desse araçá:
Seu gosto ácido faz
Supurar a saliva
Paralisando a língua,
Adormecendo a boca
Úmida e grata.
Entorpecente fruto
Da mata,
Amarelo-vermelho
Fruto.
Bento fruto.
Fresco e quente fruto.
Apartado do caule,
Produz novas sementes,
Consome-se em terra
Quente.
Renasce em cova
Funda e úmida.


quarta-feira, 26 de maio de 2010

A sirene


Adornos serão perfeitos:
Laços refeitos no universo musical,
Tecendo a espiral da arte popular.
Cria-se o novo.
Profunda é a dor de quem pariu este sonho
Concebido e amarrado em três nós:
Música, poesia e arte visual.

Conforma-se em plenitude divina
Este sereno pássaro brasileiro
Com penas verdes e asas de metal.
Voa, que o ouro que carregas
Já escuta a sirene universal descabida,
Descaradamente linda e próxima da perfeição.

A rua não é mais sem os versos ancestrais
À Deusa, dona;
Seu arqueiro negro insinua-se rei e pai.
Glória ao pássaro em que cavalga o arqueiro negro!
Boas-vindas!
O teu recato de rei avesso te salvou!

Agora o vento que tome conta.
Que os carregue, pois o guia é nosso Deus!
O manto é sacro e enfeita anjos discípulos,
Desprovidos de maldade,
Que bendizem a obra e a multiplicam.

Agora que se cumpra o prometido!
Agora que se cimente a boa obra!
Que sejam cuspidos velhos modelos!
Que se renove sim e que seja logo!

Marias de calça!
Josés de saia!
Ninguém está no mundo sem compromisso.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Universo vascular



Aventurar-se pelo mundo
Sem entender a lógica
Do rastro deixado
No caminho de pedras.
Abrir a alma para
O universo vascular:
Pequenos becos
Amanhecidos de fé
E espantosa luz
Celestial.
É quase um púlpito
Erguido nos becos.
A gente que habita ali
É feita de pedra; e cor.
Lança e punhal.
Medo e inocência.
Crueldade e candura.
Aventurar-se pelo mundo
À procura de gente
Sem entender como
Dói existir aqui,
Como dói ser
Nos bordéis, palácios,
Pendurados
Por um fio.
Quanta alegoria, quanto
Samba,
Muita morte e medo.
A pintura é dúbia.
“É bela a banguela a Guanabara.”

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A obediência


A transparência do que não vejo
Aproxima meu corpo ao espírito de Deus.

A revolução que causa a morte da matéria
Ensina com temor a obediência aos santos.

Sinal de glória.
Sinal de fé.

Contudo, não sem antes sangrar os pés.

terça-feira, 18 de maio de 2010

O bater de asas


A saia florida
Traz um vento quente.
Nordestino vento
A balançar os “quartos”.
Cruzadas infinitas
Para a deusa glória.
A boca da noite,
Magistral,
Ordena a dança.
Pulsam vermes encastelados
Em grossos casulos.
Mordomos da paixão,
Miram-se no espelho.
Para seqüestrar a deusa,
Rodar.
O dançarino que bater asas sem fazer
Barulho
Será rei.




Verso inscrito na camiseta: "O mar homenageia a ostra musical do artista encantado pelas musas".

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Nosso casamento





O marujo

Quando o mar agita,
Desponta o marujo.
Alvo como o dia,
Orienta a salgada onda
Que saúda a negra santa.

A alma floresce nua,
Encantada com a palavra dita.
Espalha imagens com habilidades
De mágico.
Doa-se em beijo profético.

Não esquece de ser de Deus,
Sabe ser como pássaro.
Quer o amoroso ninho,
Com o bico refaz o barro.

Te amo. (Sílvia)




A deusa

A moça é bela e sublime.
O amor bom se esconde.
O melhor grão.

Gosto do recato,
Desta pele que recobre meu ouro.

Costuro teu vestido de renda.

A menina cheirosa que reza comigo.

Ó noiva.
O colar.
A cachoeira.

Ó deidade nua.
Espírito de paz e violência.

Te amo. (Marcus)


domingo, 9 de maio de 2010

Coralina lição



Louve-se a encantada procissão goiana purificada. Que Brasil profundo sonhou a luz nova lentamente revelada pela musa longínqua camonianamente forjada nos versos de Cora Coralina? Louve-se esta nova Bahia que aqui floresce.

Os grotões forjam o desterro. A negra brasileira ergue-se em tons novos de sofrimentos. Negros sonham através do ritmo. A mãe liberta seu corpo acorrentado. A mulher encobre a verdade com beleza.

O rosário é lento. Camões quase perdeu seus manuscritos de Os Lusíadas em um naufrágio na costa asiática, segundo aquilo que se narra de sua vida. Pouca fama Camões recebeu em vida, para quem se tornou poeta maior da língua portuguesa. A força camoniana elevou o espírito lusitano, conferindo-lhe grandeza épica.

As penas de uma vida negam o medo. A negra forma da cultura brasileira erige um monumento à dominação pela música. Cora Coralina cantou que vivia dentro dela uma “cabocla velha”, “acocorada ao pé do borralho”. Toscamente vivia esta cabocla. Negras sexualmente faziam bem ao senhor de escravos.

Residindo há apenas dois anos Goiás, vindos do Rio Grande do Sul, tivemos a oportunidade de conhecer a Casa Velha da Ponte, onde nasceu e viveu Cora, bem pouco tempo atrás. A lembrança da poeta eternizará a necessidade materna de parir e alimentar o mundo. Parece o fogo original de algo novo. O medo está onde revela-se o segredo.















Poemas são organicamente compostos. O mito de Cora Coralina compõe-se da dor experimentada ao longo de sua vida. Havia, diferente de Drummond, mais do que uma pedra no meio do caminho. O mito coralino situa-se na poderosa e enigmática rua antiga do Brasil. Aí, a pedra põe o corpo a secretar remédios para a cura de males coletivos.

O novo local de cortejar o mito de um povo é a internet. Porém, com adoração musical, a rua antiga projeta sombras que viram sóis dourando a realidade. Quando Drummond, cerca de cinco anos de Cora morrer, a abençoou com um elogio público, escreveu para ela um cortejar de pássaros, levando-a ao reconhecimento nacional.

Muito nos enternecemos ao adentrar a Casa Velha da Ponte. As bases de um novo mito roçam a ternura daqueles que ali conhecem sua vida e sua obra, intimamente relacionadas. Como o naufrágio que poderia ter levado ao fundo do mar os manuscritos de Camões, a novela coralina de uma vida literária escondida na pequena Cidade de Goiás escondeu Cora da notoriedade até praticamente o final de sua vida. O começo do reinado musical de um mito ritualiza-se através da dor. A cabocla feiticeira que viveu dentro de Cora soube atravessar o século da ciência e da tecnologia corporificada em vários de seus versos (“eu sou a mulher mais antiga do mundo”).

Com atenção redobrada, a música que sonha a humanização do mundo pode acordar o coração puro revelado em Goiás como a essência do Brasil. Ouro e monturo se amontoam no destino brasileiro: Cora profeticamente escutou esta música. Louve-se a fonte ornadora a partir da qual a bondade recobre as feridas mais profundas. Louve-se a brandura onde se poderia ver podridão. A dor do mundo era a pedra que Cora Coralina encontrava nas ruas e becos de Goiás. Suas mãos de doceira, “jamais ociosas”, ornaram a dura rotina da mulher brasileira. A musa a mando da doçura cantava a forma íntima da ritualidade que se expressa há séculos no Brasil e que o Carnaval tão bem sintetiza: o corpo nu feminino, ao mesmo tempo revelado e escondido, representa a verdade e a mentira, a maneira artística de aprender com a vida.


segunda-feira, 3 de maio de 2010

A Hora


Consomem-me,

Pois
Sou

O Espírito
Santo.

Ah, Rio,
Bahia,

Amazonamentos.
Grande

Mãe,
Grande

Índia,
Me Espantas,

Porque
Já eras

Maria.
Disse-me:

- Homem,
Sou

Tua
Conquista.

Brasil,
Brilha.

Brilha
Tua Hora.

A Virgem
Pode.

Sou
Alada

Como
Deus.

A Virgem
Pode.

Olhem-me
Onde

Apareço.
Sou

Obscura
Tela.

Roubam-me.
Mas

Sou
Moça

Outra
Vez.

Remoço-me,
Vou

Por
Toda

Terra,
Amazônia

Infinita,

Onde
Minas

Não
Há mais,

E sou
Também

Vereda.
Olham

Pelo
Avesso.

Botam-me
Montanha,

Labirinto,
Deusa

Negra,
A Bahia

Me
Regenera,

Olhos
Santos,

Cana,
Muita

Cana.
Cortam-me.

Renasço.
Põem-me

A boi,
Num

Lento
Passo.

O que
Hoje

É floresta
Já foi

Caatinga.
Olho,

Daqui
Olho.

Sou
Tua

Próxima
Conquista.

domingo, 2 de maio de 2010

O terno gozo


O
Forno

Adocica
Nosso

Medo.
Gozo

Terno
É

Lento.
Orgia

Orada
É

Ornamento
Cozido

E
Costurado.

Pátria
Ergue-se

Com
Sangue.

A
Oração

Onde
Nossa

Odiosa
Ordem

Ergue
Rituais

Intensos
Pelo

Não
Termo.

O
Monte

Augusto
Entrona

O
Mito

Geral
Do

Mais
Sofrido

Coração
Americano

E
Maloqueiro.

O
Teu

Ouro
Negro

Mostrado
Inteiro.

Teu
Gesto

Pontiagudo
Que


Não

Fere
A camoniana

Conta
Do

Marujo.




D'O Boi Arteiro para Dona Deusa

sábado, 1 de maio de 2010

Flores


Há flores
Na minha manhã.
Vegetal no meu verbo.

Filosóficas
Estas flores.
E frondosas, frescas.

Ó tão querido pai.
Sou do ser,
Tão ser do espaço.

Ó misto.
Ó sexo.
Ó missão do espírito.

Agarrado àlternativa
Nova
- pulsa -,
me dispo.

Ó ponte, ó coisa,
Ó poema da verdade.
Calor, sol.


Ó pontos,
Segredos.

Suo e continuo
Sendo

A palavra só.

A conta coletora coletiva