domingo, 31 de outubro de 2010

A mulher


O par de brincos que Tininha usava quando a conheci eram Juliana e Alice. O meu livro começava a ser escrito. Passaram-se 15 anos: a menina do meu bom segredo. Menino, Erê dentro de mim sonhou com o par perfeito. Donde o meu coração de índio ficava caladinho perante a roda do mundo. O artista fornece o brinquedo: roda do mundo é cachaça. Tenho medo de paraíso que não seja perdido.

O tempo vivido nu cria um coração brasileiro. O rei menino aproxima seu gosto por o ouro a milhões de quilômetros do gosto por sexo novo.

Foi por causa de Tininha que tive ternura no pedaço de meu corpo mais feroz e demoníaco.


Marcus Minuzzi

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A sereia


Espero a correnteza
Das águas
Para purificar meu ser.
Batismo cristalino
De ondas e sal,
Entre mariscos
Alaranjados.
Ah! Como preciso
Salgar meu corpo
Para encontrar
Minha alma.
Sou uma alga
Aninhada no plâncton
Entre pedras e corais.
Sou um pedacinho
De miniaturas e
Delicadezas ofertadas
À santa das águas,
O olho no fundo do
Mar.
A mãe benta
Quero ser.
Pingo de chuva.
Água doce e salgada.
Barco que se perde.
Ave marítima,
Esguia.
Supremo vegetal
Quero ser.


Sílvia Goulart

O coração coralino


O arco bordado do tempo.
A maturidade me alcança
Uma luz.
Estou sentindo a força
Espiritual das deusas
Da floresta.
Mãe que cumpre seu
Ciclo.
Mãe terra
Onde a energia
Brota na fonte.
Onde a beleza
É fulminante e
Gloriosa.
Ó alma feminina
Que me acompanha
Carregada de fortalezas
E orações benditas.
Sou a mãe do mundo.
Meus seios aleitam os
Filhos abandonados,
Mal queridos, despreparados.
A aura de mulher santa
Enobrece meu ser.
Sou instrumento de Marias,
Incessantes guerreiras,
Criadoras de tudo.
Mulheres de ferro,
Sou eu sua serva.


Sílvia Goulart

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O arco


Estou para seguir os passos de Deus
Em sintonia com meus ares
Mais longínquos.
A bela rainha
Que descobre o sereno pássaro.
O alvo de minha existência
Está no bater asas
E tecer com o bico.
Há um encontro lunar
Marítimo e próspero.
Uma revoada.
Uma âncora.
Acordo com o pássaro
A me abordar com
Seu bico dourado:
O espírito divino.
Sou antes uma menina:
Trancinhas bem feitas
Com óleo de mocotó
E cheiro de mãos
De uma vovozinha carinhosa.
Sou menina tão tenra
Sonhando com o planeta
Em festa.
Viagem na pedra grande,
Arcos e florestas no céu.
Sou apenas sonho e fantasia.
Um universo de tragédias
E alegrias.
Sou o mais feminino dos seres.
Sou a bênção matriarcal.
Sou multiplicadora
De encantos.
Minha aura anima
As filhas
De santas
E de putas.
Eis que sou instrumento
De liga terrestre
E celestial.


Sílvia Goulart


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Sobre o porão na Casa Velha da Ponte




Por certo, aquele ambiente aquífero e sombrio já foi habitado por orixás. Aquela umidade benigna e curadora da floresta tem no cheiro a energia das santidades do candomblé. Santos do Brasil. Regentes deste povo mameluco e cirandeiro. Paizinhos e mãezinhas bentas. Rezadeiras perfumadas de ervas e unguentos sagrados. Escravas de carne macia, amas de leite, curandeiras e apascentadoras de desejos carnais. O oratório do Brasil começa na floresta, templo sagrado de pequenos seres vegetais. Índias e negras mães. Tapioca, acarajé, mama, mama. A oca brasileira, criada ali.


Sílvia Goulart


domingo, 17 de outubro de 2010

O novo mito



A forte mãe nos põe
Fortes e por mares
Longínquos navegamos.
A mãe faz a casa por
Tempo longo incendiada
O oco de seu fruto.
A forma paradisíaca
Representa o fim
Do bruto anseio.
A estrela a festa
A pontiaguda arte
Americana e dionísica
Torna olímpica.
A pobreza termina hoje
Por onde a poesia fala.


Marcus Minuzzi


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A bênção


Acaricia meu rosto, querido.
Pois que espero a tua
Suave e doce maneira
De olhar meu sofrimento.
Quero a bênção das estrelas
Para um dia só a seu lado.
Cobre-me de poesia
Encharcada de letras tontas
Bem desenhadas
Por teu sereno Dionísio.
Atiça minha artista
Com tuas decorações
Delicadas, de gênero feminino.
As sutilezas em cor-de-rosa.
O ato bendito de louvar
A mãe do cerrado.
Tudo está escrito em
Teu oratório.
Tua devoção é que te salva.
Salva-nos.
Eis que estamos na flor.
Chegamos no cálice,
Vamos beber o néctar.
Amar rezando
Por nossos dias.
Reverenciar o amor.
Recriar
A arte.
Estamos uníssonos
E serenos.
Me beija,
Que ilumino teu santo.


Sílvia Goulart

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Rodas de força Maria


O nevoeiro faz
A arte do Brasil
Povoar o tempo.
A esperança orienta
O moço sagrado
Filho de Maria,
Preta mãe de todos.

domingo, 10 de outubro de 2010

A guerra




Para a Sílvia


O erguido manto da verdade
Revela nossa cruzada
Pelo teu domínio
Sobre o arteiro boi dionísio.
A moça fia o tempo
De alimentar o boi
Com teu poder feminino
De portar a fonte
Do exitoso amor.
Tenho a banhar
Meu pontiagudo intento
O carinho de tua escrita
De polidas musas
Fascinadas por
Nossa cópula tântrica.
A oração da deusa
Torna o boi
A fecundidade olímpica brasileira
De um novo mito.


Marcus Minuzzi

sábado, 9 de outubro de 2010

A fonte de Cora Coralina



A arte goiana ama ser imaginada onde não existe. O amor sonoro da ema representa este lugar sagrado para o artista. A mulher ancestral que Cora Coralina canta em seus poemas amorosamente cuida do povo goiano devido ao caráter ancestral de sua cultura. O ouro goiano que o Brasil não explorou com a coragem bandeirante será descoberto sob a forma de música.

Ouvir é função do poeta. Com o mar como metáfora, Fernando Pessoa criou a musa generosa, mas exigente, que, ao final de longa viagem pelos abismos da alma, receberia os “beijos merecidos da verdade”. Pessoa corresponde à “cabocla velha de mau-olhado” que Cora Coralina dizia viver dentro dela.




O mito brasileiro de que somos um povo alegre e pacífico somente será compreendido se compreendermos que o mito cumpre o papel da arte inovadora, que perscruta o anseio do momento histórico por qual passa a coletividade. O povo amadurece em ciclos, que correspondem a períodos de intensa provação. Com o mito, o alimento ornamental é tecido pelo povo enquanto cordura característica apta a sonhar. Com o sonho, o longínquo se aproxima e encanta.

O jeito goiano de reverenciar o boi espelha-se na goianidade obscura que Cora Coralina visitava em sonhos. O boi ritualizado em Goiás perde o medo de encantar-se pela princesa. O homem noivo já existe. A arte o torna astro cobiçado. O jeito mundano desse moço é mariologicamente guarnecido. Apesar do mundo lhe pintar os pés de amarelo, ele cobre-se de branco. Há nesse homem pássaro a sombra de um medo. Seu coração de Cristo eleva-o. O guerreiro humano acende-se em pontos caboclos. No canto do sertão mítico, as águas voam.



O rock erige dionísios fortes. Mas o santo os abate, como galos no terreiro. Os americanos do norte criaram um músico regional – o negro inventor do jazz e do blues. O negro ativa um Homero incendiário, no sentido de alegre músico angelicalmente sonhado como estrela. O rito ardente de moças brancas que amam dionísios músicos de rock iguala-se em Goiás ao fenômeno da música sertaneja. O astro explode em milhões de seguidores. O nome do mito de ontem ativa o antigo rei lusíada. O manto de Dionísio amplia o seu rei jurado.


Marcus Minuzzi


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O catavento


A esperança incontida
De passar os dias
Escrevendo sentenças
Vitais.
Tudo o que aprendi
No ato, no auge
Do sofrimento
A não escrita palpita
A dor.
Preciso dizer
O que nunca foi dito.
A crença da mulher,
O príncipe encantado,
Os sonhos impossíveis
Aflitos.
Confusões hereditárias.
Muitas lágrimas
Pelo caminho.
A vida retalhada,
Cada dobra,
Uma sina.
Aprendi o amor
Depois da cisão,
Quase uma sutura
Cicatrizada.
Quase perfeita.
O ato de refazer.
Este é o segredo da vida.
Aprendemos, mulheres da
Minha época, a costurar.
Pois nem todo o remendo
É mau sinal.
Aprendi a remendar
Com perfeição.
Costurei de ponta a ponta.
Refiz o amor.
Refiz minha união carnal.
Agora vou bordar com
Pérolas, pedrarias, linha
Cintilante amarela.
Agora vou dormir
Com ele.
Vou casar de novo.
Cresci.
Fui machucada.
Apedrejada.
Refiz.
Renasci.
Não tive juízo.
Fui sem limites
Na crença de ser mulher.
A dor doeu rasgando.
Fui despedaçada.
Refiz.
Renasci.
Montei, reformei o
Catavento destroçado.
Coloquei no ponto mais
Alto, para girar...
Está girando
A cada dia mais
Veloz.
Refiz.
Finalmente
Aprendi a remendar.


Sílvia Goulart


A conta coletora coletiva