quinta-feira, 11 de março de 2010

O começo amoroso



Enamoramo-nos recentemente por a densa e maternal possibilidade de ornar a peça artística d’A Negra Ama Jesus mais ritual de todas, desde nossa fixação em Goiás. A passagem de um mito a outro sempre acontece de modo artístico. A brasilidade estende-se ao longo do país por meio de rios sem leito nem curso, apenas rumor. Como gaúchos, alegra-nos cortejar as musas de outros antigos eixos da língua brasileira. A essência da língua é a música. O amor homérico é que faz o alimento da nação.

O que uma mãe nos encomendou foi a pintura de uma peça para o enxoval de seu bebê, que ainda está no ventre. Michelle, a mãe, e Rodrigo, o pai, moram em Belo Horizonte. O rito de tecer bordados faz o trabalho d’A Negra Ama Jesus assumir uma dimensão mítica vasta onde o coração enamora-se.



Um dos versos inscritos na peça ornadamente diz: "O ouro Maria onírico: sonho aquífero de um marial colado ao umbigo”. O aquífero ondula. Representa o pranto do Brasil profundo, onde a materna mansidão anseia pela olímpica paz entre os povos que, de modo violento, se miscigenaram para formar o país.






O antigo sonho de independência ainda estampa a bandeira de Minas Gerais. Se o litoral brasileiro toma para si a forma arcana do novo mundo que aqui se constitui, temos que o interior do país ascende a uma condição ainda mais revolucionária, por ostentar o novo de modo ainda mais absoluto.

Cora Coralina está entre o ouro mineiro e o goiano. Representa, no panteão da poesia nacional, a grande voz esquecida. A bondade canta em seus versos. O “ouro Maria onírico” corresponde à capacidade de não perder a beleza do que se sonha, mesmo em meio ao lixo.

O rito de bondade em torno de um recém-nascido envolve cobri-lo de ouro. O “body” que o bebê de Michelle e Rodrigo vai usar sonha com o coração de ouro de um Brasil materno. O nascimento do anjo menino, que João Guimarães Rosa profetiza através de Diadorim, em “Grande Serão: Veredas”, apascenta o medo de um novo mundo. Modernamente, a tropa de meninos alimenta-se da pastagem dionisíaca: a vontade de criação olímpica.


Poema inscrito na peça:
O ouro Maria onírico: sonho aquífero
De um marial colado a ouvido.
O parto amoroso e lírico.
O ventre bom do meigo alimento lácteo.
O mineiro pasto da criação que desceu.
A bênção do céu.


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